segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

Prudência e Presunção de Inocência

Em tempo.

O Plenário do Supremo Tribunal Federal negou provimento ao Recurso Extraordinário nº 591.054/SC, no dia 17 de dezembro de 2014, adotando a seguinte tese: a existência de inquéritos policiais ou de ações penais sem trânsito em julgado NÃO pode ser considerada como maus antecedentes para fins de dosimetria da pena. Incrivelmente, o Min. Voto Vencido, Marco Aurélio Mello, relator do recurso, conseguiu convencer a maioria de seus pares a seguir seu entendimento.

No referido recurso extraordinário, discutia-se se a pendência de ações judiciais e/ou inquéritos policiais em desfavor do condenado em processo criminal poderia ser considerada maus antecedentes e, com isso, influenciar - ou melhor, agravar - a situação do réu na 1ª fase da dosimetria da pena, prevista no art. 59 do Código Penal. De outro lado, argumentava-se que tal interpretação conflitaria com o princípio constitucional da presunção de inocência (ou da não culpabilidade).

No Brasil, não raras vezes, o óbvio precisa ser legislado. E, também, interpretado.

Princípio de reconhecida importância histórica, o princípio da presunção de inocência - ou estado de inocência - representou uma importantíssima garantia dos processados perante o Estado, o que não se restringe apenas ao âmbito criminal, embora seja seu principal campo de atuação, podendo ser aplicado em outros ramos do direito, a exemplo do administrativo (v.g. RE 482.006/MG e MS 23.262/DF).

De tempos beccarianos, e previsto em diversos diplomas legais estrangeiros (cite-se, e.g, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8º, §2º, e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Nice, 2000, Artigo 48, §1º), o princípio da presunção de inocência recebeu a tutela da ordem jurídico-constitucional brasileira no art. 5º, LVII, da Lei Fundamental da República. Em verdade, tal postulado está umbilicalmente atrelado à noção de Estado Democrático de Direito, ou melhor, de Estado Constitucional de Direito, sendo representado na máxime "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória", o que já possui uma certa obviedade em sua redação. Mas let's move on, parafraseando Joaquim Barbosa na AP 470.

A doutrina penal, dentre eles cito Luiz Flávio Gomes, ensina que de tal princípio emanam duas regras: i) regra de tratamento, pela qual o acusado não pode ser tratado como condenado enquanto não sobrevier ato sentencial condenatório definitivo; e ii) regra probatória, de forma que cabe à acusação demonstrar que o réu é culpado, e não ao réu demonstrar sua inocência, como chegou a ser aplicado durante o nefando Estado Novo getulista (1937-1945). Portanto, a principal conclusão a que se chega, de logo, é que, enquanto não houver sentença judicial transitada em julgado, o réu é presumido inocente, não importando a natureza do crime que lhe seja imputado.

Ora, se o estado de inocência do réu perdura até que seja prolatada decisão condenatória transitada em julgado, por qual razão a existência de inquéritos policiais, ações penais em curso ou, até mesmo, ações penais julgadas e pendentes de recursos - que, portanto, ainda não se revestiram de definitividade - poderiam vir a ser usadas como circunstâncias evidenciadoras de maus antecedentes? Não se pode descurar do fato de que, em diversas ocasiões, os instrumentos de persecutio criminis são utilizados como forma de prejudicar, dolosamente, a imagem do réu, em mera intriga de seu desafeto; além de que muitas vezes o manancial probatório produzido é falho e incapaz de levar à compreensão acerca da real autoria do crime. 

Por isso, foi-nos ensinado pelo jurista Rui Barbosa que: "Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas." Trata-se de se julgar com prudência. Baltasar Gracian, em sua obra A Arte da Prudência, adverte: "Tome cuidado com quem elogia e mais ainda com quem critica. Descubra qual o interesse pessoal, de que lado coxeia, para onde vai. Reflita bem para detectar os falsos e incompletos."

Nem tudo que reluz é ouro. Nem tudo que parece é. 

Diante disso, qualquer juízo antecipatório de condenação de investigado, de indiciado, de denunciado, de réu ou de recorrente não se coaduna com a essência do princípio constitucional da presunção de inocência, direito fundamental de nossa República. É simples. É de uma "obviedade ululante", afirmaria Nelson Rodrigues. Até que o indivíduo seja condenado definitivamente, com o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, ele gozará dos mantos da inocência, da boa antecedência e da descontaminada vida ante acta. 

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Suspensão de Liminar em ADI

Na última quarta-feira (21/01/2015), o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, analisando os autos da Suspensão de Liminar 807 (SL 807)reiteirou jurisprudência do STF no sentido de que a suspensão de liminar não é cabível nas ações do controle concentrado de constitucionalidade. Vamos entender melhor o caso.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu, liminarmente, a eficácia da Lei Complementar 77/2013 do Município de Araruama, a qual alterou os valores venais dos imóveis do exercício de 2014, acarrentando o aumento discrepante do IPTU em relação ao período de 2013.

Como e por que o TJ-RJ fez isso?

Foi proposta uma Representação de Inconstitucionalidade (art. 125, §2º, CF/88), é dizer, uma Ação Direta deInconstitucionalidade estadual - que tem como objeto lei ou ato normativo estadual ou municipal, e como parâmetroConstituição Estadual – em face de lei complementar municipal. Tal ação do controle concentrado estadual deve ser proposta perante o Tribunal de Justiça, em simetria ao STF, competente para julgamento da ADI federal, pelos legitimados que vierem a ser previstos na própria Constituição Estadual, que normalmente repetem o rol de legitimados do art. 103 da Constituição Federal.

Dentre eles, no inciso VIII, está previsto partido político com representação no Congresso Nacional, que, no âmbito estadual, lê-se Assembleia Legislativa. No caso, o Partido Progressista municipal interpôs a ação de fiscalização abstrata. Foi deferida, diante da presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, medida cautelar suspendendo, liminarmente, a eficácia da Lei Complementar municipal 77/2013.

Isso porque, tendo em vista a alteração dos valores venais dos imóveis, que importou aumento significativo do valor do IPTU do exercício de 2014, acentuadamente discrepante do exercício de 2013, o TJ-RJ entendeu que referida LC municipal violou o art. 196, II e IV, da CE/RJ, que preveem os princípios tributários da isonomia e do não confisco, respectivamente (art. 150, II e IV, CF/88).

O que o Município fez?

Tentando reverter a decisão liminar e reestabelecer a eficácia da LC 77/2013, o Município de Araruama interpôs pedido de Suspensão de Liminar, também chamado de contracautela, prevista no art. 4º da Lei nº 8.473/92, pedido este restrito às liminares deferidas contra o Poder Público, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas. Apenas o Ministério Público ou a pessoa jurídica de direito pública interessada são legitimados para requerer tal pedido de suspensão de liminar.

Nesse caso, o pedido feito pelo Município é possível?

NÃO. Segundo o presidente do STF, reiterando jurisprudência do Pretório Excelso, o pedido de suspensão de liminar é via processual inadequada para sustar os efeitos da cautelar concedida no processo de controle concentrado de constitucionalidade. Isso se deve por alguns motivos:

1) A suspensão de liminar visa a atender interesses subjetivos da pessoa jurídica interessada, enquanto que o processo de controle concentrado de constitucionalidade é objetivo, o que demonstra a impossibilidade de sua concessão;

2) O exame da presença dos requisitos autorizadores da medida excepcional de contracautela deve ser rigoroso, estando a exigir a demonstração inequívoca de risco de ruptura social ou de ruína institucional;

sábado, 10 de janeiro de 2015

O Constituinte na OAB


Amanhã ocorrerá a 2ª Fase do XV Exame de Ordem. Então, resolvemos dar umas dicas que serão bastante úteis para sua aprovação. Compartilhem com seus amigos que irão fazê-la!

1 - RESOLUÇÃO DA PROVA

1.1. Essa dica aprendi com Maurício Gieseler e é muito importante para você distribuir seu tempo durante a prova. Como se sabe, a prova terá a duração de 5 horas. Assim, reserve a 1ª hora para ler com calma o caso prático, identificar qual a peça cabível e montar um esqueleto dela. NÃO DÁ PRA FAZER RASCUNHO DA PEÇA! Esqueleto é só identificar os principais pontos como: endereçamento (para onde devo endereçar minha peça?); legitimidade ativa e passiva; qual a peça cabível; fundamento legal da peça; quais os tópicos da peça (fatos, direito, tutela antecipada, ou tempestividade, cabimento, prequestionamento, repercussão geral, se forem recursos, p. ex.); no item DO DIREITO é indispensável que se faça uma busca no seu Vade Mecum de todos os artigos que você acha que serão usados na fundamentação antes de começar a escrever já na folha definitiva da respostas. Então, elenque na sua cabeça os artigos (pode usar o índice remissivo para procurar pelas palavras-chave da questão, ou olhar embaixo dos artigos a remissão a outros artigos que fazem alguns Vade Mecuns), as súmulas, doutrina que você lembre e até jurisprudência e ponha no esqueleto da peça, de preferência na ordem lógica que irá para a folha definitiva. TENTE LEMBRAR O MÁXIMO DE FUNDAMENTOS. MELHOR PECAR PELO EXCESSO NA PROVA DA OAB. Depois, também no esqueleto, faça os tópicos do pedido.

Na 2ª hora, parta para a resolução, já na folha definitiva, de 2 questões que você acha mais fáceis, que sabe resolver logo de cara. Já se passaram 2 horas de prova.

Nas 3ª e 4ª horas, vá escrever a peça prático-profissional na folha definitiva, o que vai ser bem mais rápido e fácil porque você já conta com um esqueleto bem elaborado. Ai é só montar a peça. Falta agora só uma hora para acabar a prova da sua carteirinha vermelha.

Deixe a última hora (5ª), para a resolução das 2 últimas questões que eram as mais difíceis para você. Por que isso? Porque como eram as mais difíceis a chance de você as acertar eram menores do que acertar as 2 mais fáceis. Então, deixa a hora final para elas, se der tempo de pensar melhor e fazê-las ótimo, senão paciência.

Isso foi essencial na minha aprovação.

1.2. Se errar uma palavra, faça um simples risco em cima dela (não precisa fazer parênteses);

1.3. Não adianta escrever mais do que as linhas da folha permitem. O que passar do limite de linhas será DESCONSIDERADO pelo examinador. Então, eu aconselho que você vá até a última folha da peça (que tem o máximo de 150 linhas) e conte de baixo da para cima o número de linhas que você utiliza para por "TERMOS EM QUE PEDE DEFERIMENTO, LOCAL E DATA, ADVOGADO OAB...", porque depende do estilo de cada um (a minha, p. ex, davam 7 linhas para escrever isso). Ai marque um ponto bem discreto (PARA NÃO SE IDENTIFICAR) ao lado da linha que antecede o começo dessas informações. Isso serve para você ir se situando até onde poderá escrever seus pedidos.

2 - ALGUMAS PEÇAS

2.1 - RECLAMAÇÃO CONSTITUCIONAL

Atualmente o STF tem aceitado, em alguns casos, a interposição de reclamação constitucional contra decisões que teriam violado a liberdade de imprensa e de expressão (Recl 15243/RJ) com fundamento na violação da autoridade da decisão na ADPF 130, que declarou a não recepção da Lei de Imprensa. Então, fiquem atentos a essa hipótese de cabimento.

Outra hipótese seria a de violação à Sumula Vinculante 33. Na verdade, há divergência quanto a sua interposição nesse caso, então você deve ponderar com cuidado na hora da prova. Então se for relatado o indeferimento de aposentadoria especial aos servidores públicos que trabalhem em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física (E SÓ ESSES DO ART. 40, §4º, III, CF/88), pode ser cabível a reclamação constitucional.

2.2 - MANDADO DE SEGURANÇA

Confesso que era a peça que tinha mais dúvidas quanto ao cabimento (pra mim tudo era violação a direito líquido e certo), mas algo depois que percebi me tranquilizou muito: quando for o caso de mandado de segurança, a OAB faz questão de deixar bem claro que a peça é mandado de segurança: fala que não há necessidade de dilação probatória e até fala que não se passaram 120 dias (prazo decadencial do art. 23 da Lei 12.016/09).

Caso se trata de MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO ou ação civil pública e for necessário liminar, tem que fazer referencia nos pedidos da PRÉVIA AUDIÊNCIA COM O REPRESENTANTE JUDICIAL DA PESSOA JURÍDICA DE DIREITO PÚBLICO, QUE DEVERÁ SE PRONUNCIAR NO PRAZO DE 72 HORAS (art. 2º da Lei 8.437/92)

Acho que tem grandes chances de cair, porque essa peça já vem caindo em outras áreas (administrativo e tributário) e caiu a última vez em Constitucional no XI Exame.

É isso aprovado! Boa prova!!!

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Só mais 15 minutinhos

O Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, reconheceu que o artigo 384 da CLT foi recepcionado pela Constituição de 1988. O referido artigo prevê um intervalo mínimo de 15 minutos para a mulher, exclusivamente, antes de se iniciar o período extraordinário de trabalho. O STF firmou tal entendimento ao negar provimento, ontem, ao RE 658.312, com repercussão geral reconhecida.

O art. 384 está inserido no Capítulo III da CLT, que trata da proteção do trabalho da mulher, fazendo com que o tempo de descanso de, no mínimo, 15 minutos seja assegurado - por enquanto, se depender da Ministra Rosa Weber - apenas às trabalhadoras. O Ministro Dias Toffoli, relator do RE em questão, baseou seu voto na célebre lição de Rui Barbosa, retirada da Oração dos Moços, segundo a qual igualdade consiste em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Assim, é concebível perante o Direito estabelecer diferenciações entre os gêneros como uma forma de tentar equilibrar uma desigualdade natural, como é o caso da mulher, que muitas vezes faz jornada dupla - em casa e no trabalho - e possui uma resistência física menor em relação a do homem.

O Ministro Marco Aurélio, vulgo Voto Vencido, mais uma vez fez jus a seu apelido. Para o Ministro, a previsão do art. 384 da CLT fere o princípio da isonomia, previsto no caput do art. 5º da Carta Magna, sendo gerador de discriminação. Por essa razão, votou pela não recepção do dispositivo laboral em discussão.

Por fim, cabe ressaltar que o juízo a ser realizado é o de recepção ou não recepção da norma, tendo em vista se tratar de objeto, qual seja artigo da CLT, editado antes da promulgação da Constituição de 1988, mais precisamente em 1943, não havendo falar em inconstitucionalidade nessa hipótese.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

Causo "Constitucioná"


A escuridão da ditadura passô
Os militá saíram do podê
Quem achou que nunca ia acabá
Ficou com os zóio tudo moiado ao percebê
O Doutô Ulysses, no 5 de ôtubro de 88,
Levantá a Constituição pra todo mundo vê.

Democrática que só ela
A “Cidadã” finalmente nasceu
Trazendo direito pro pobre, pro negro
Pra muié e até pra quem nunca leu
Os índio tudim se animaram
Com as terra que a Constituição lhes deu.

Os direito fundamentá agora tão na frente
Esporte, cultura e meio ambiente lá “trais”
Os Município ficaram autônomo
Os legitimados pra ADI aumentaram mais
Tem PGR, Presidente, Governadô
Entidades de classe e confederações sindicais.

O STF, o Congresso e o Palácio da Presidenta
Tudo lá na Praça dos Três Podê, quente pra daná
Dizendo que tão trabaiando
Pra mode o país ajeitá
“Mais” por enquanto ninguém sabe
Se o Brasil chega a algum lugá.

Só o que não falta é reforma pra fazê
Tadinha da Constituição, toda remendada
Pra vê se pelo menos ajeita
Um pouquinho da Pátria Amada
A reforma política com certeza
Tá na hora de ser criada.

Tanta rôbalheira que dá disgosto
É Petrobras, mensalinho e mensalão
As empreitêra e os político tudo rico
E o pobre sem dinheiro pra comprar pão
Cadê a sociedade livre, justa e solidária
Que prometeu nossa Constituição?

sábado, 15 de novembro de 2014

Constitucional na OAB




Acontecerá, amanhã, a 1ª fase do XV Exame de Ordem. Nesse momento, os nervos estão a mil. Não sei de nada é o que pensa a maioria dos candidatos. Por isso - para tranquilizá-los um pouco - pensei em comentar o assunto campeão de incidência na prova de Direito Constitucional da OAB: controle de constitucionalidade, resolvendo uma questão do XII Exame de Ordem. Ao final, estarão algumas dicas extras para sua aprovação. 

Questão 18 (XII Exame de Ordem - Tipo I)

Acerca do controle de constitucionalidade, assinale a alternativa INCORRETA.

A) É impossível o esclarecimento de matéria de fato em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade.
B) A União Nacional dos Estudantes não tem legitimidade para propor Ação Direta de Inconstitucionalidade.
C) Não se admite a desistência após a propositura da Ação Declaratória de Constitucionalidade.
D) Os efeitos da decisão que afirma a inconstitucionalidade da norma em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade, em regra, são ex tunc.

1ª dica: Leia com atenção as perguntas. Assim, você evita perder questões valiosas só por não ter atentado ao que era exigido pelo examinador. Nessa questão, ele pede a alternativa incorreta. Analisemos os itens de baixo para cima.

D - Correta. A maioria da doutrina brasileira e o STF adotam a teoria da nulidade, à semelhança do sistema norte-americano. De acordo com essa teoria, a norma declarada inconstitucional é considerada inválida desde seu nascimento, sendo denominada de natimorta. Assim, o STF, ao declarar uma norma inconstitucional, em sede de ADI, profere uma decisão com efeitos retroativos (ex Tunc), alcançando a lei ou ato normativo desde seu nascedouro. Por que a questão fala em regra? Porque em nosso ordenamento - art. 27 da Lei nº 9.868/99 - há uma mitigação da teoria da nulidade - modulação dos efeitos temporais - quando, então, a decisão do STF poderá ter efeito ex Nunc (a partir do trânsito em julgado da decisão) ou pro futuro (outro momento que venha a ser fixado, p. ex, 24 meses após o trânsito em julgado), desde que 2/3 dos Ministros do Pretório Excelso reconheçam a existência de razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social para tanto.

C - Correta. Fala-se, no âmbito do Direito Constitucional, que o processo deflagrado pelas ações do controle de constitucionalidade abstrato é objetivo, tendo em vista que sua principal função é a proteção da supremacia constitucional, e não de direitos subjetivos. Quais as implicações disso? I) Um legitimado do art. 103 da CF/88 - de leitura obrigatória - que tenha criado um projeto de lei pode, ele mesmo, ajuizar uma ADI ou ADC, p. ex, tendo como objeto a mesma lei. II) O requisito da representação no Congresso Nacional - basta ter 1 parlamentar no Senado ou na Câmara - exigido para os partidos políticos (art. 103, VIII, CF), deve ser auferido no momento da propositura da ação (ADI 2.054 QO), razão pela qual a perda superveniente da representação no CN não constitui óbice para o prosseguimento da ação, segundo jurisprudência do STF. III) Não se admite desistência em nenhuma das ações do controle abstrato, haja vista que o autor não está defendendo interesse próprio, e sim a higidez da ordem constitucional, não lhe sendo facultado abandonar o processo objetivo.

B - Correta. Esse item trata dos legitimados para propositura desse tipo de ações. Os legitimados  são os mesmos para ADI, ADC, ADO e ADPF, estando previstos, taxativamente, no art. 103 da CF/88. O STF os divide em universais (incisos I, II, III, VI, VII, VIII) e especiais (incisos IV, V, IX), devendo estes demonstrar pertinência temática. As confederações sindicais - que deverão ter no mínimo 3 federações (art. 535, CLT) - são legitimadas especiais, mas as federações, os sindicatos e as centrais sindicais (CUT, CGT) NÃO têm legitimidade. Quanto às entidades de classe, a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que devem ser de âmbito nacional (presente em pelo menos 9 estados) e representar categorias profissionais homogêneas (entidades que atuam em defesa de uma só categoria profissional ou econômica). Nesse sentido, o STF entendeu que a ABRASEL NÃO teria legitimidade ativa por representar diversas categorias heterogêneas - restaurantes, entretenimento, lazer e bares (ADI 4.239/SP). Por ser a UNE categoria representativa de estudantes, e não categoria profissional, não é legitimada ativa (ADI-MC 894/DF).

A - INCORRETA. Diferente do recurso extraordinário, a ADI admite a discussão de matéria de fato. Tal hipótese está presente, principalmente, nos casos de inconstitucionalidade formal, haja vista que deverão ser examinados os fatos referentes ao trâmite legislativo constitucional para se descobrir onde reside a pecha da inconstitucionalidade.


GABARITO: A


2ª dica: Para a prova de Constitucional, imprescindível a leitura dos 78 incisos do artigo 5º da Constituição, bem como das Leis nº 9.868/99 e 9.882/99, referentes ao controle de constitucionalidade. Também vêm caindo com frequência as legislações de algumas ações constitucionais, tais como Lei nº 9.507/97 (habeas data), Lei nº 4.717/65 (ação popular), Lei 12.016/09 (mandado de segurança) e Lei nº 7.347/85 (ação civil pública).

3ª dica: Não esqueçam que vocês não têm 5 horas para fazer a prova. Na verdade, são apenas 4h e 30 min. Reserve os 30 minutos finais para marcar o gabarito com calma.

BOA PROVA!

obs: Prometo que os próximos posts serão mais curtos.

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Publicidade infantil

O ENEM mais uma vez surpreendendo. No ano de Copa do Mundo, de eleições, de aniversário do Movimento Diretas Já, do Golpe Militar e do Plano Real; e de crise de água em nosso país, o tema da redação de 2014 foi Publicidade infantil em questão no Brasil. Sem dúvidas é um assunto importante, que demanda discussões acerca dos efeitos negativos da publicidade abusiva sobre o público infanto-juvenil. Porém, discordo, data venia, da sua escolha. 

O país enfrenta crises alarmantes em diversos setores, dentre eles o político, com a crise de representatividade, escândalos de corrupção, reforma política; o econômico, com a estagflação; e o de abastecimento de água em diversas regiões - citando apenas os que demandam soluções pra ontem. Não é que o tema publicidade infantil seja irrelevante - longe disso. O problema é que, infelizmente, existem temas cruciais, nesse momento, para a sobrevivência institucional, econômica e ambiental do Brasil, merecedores da reunião de todos os esforços possíveis para sua imediata solução. Desde que o vestibular passou a ser unificado, o Ministério da Educação deveria ter usado o ENEM a seu favor, ou melhor, a favor do Brasil. Imaginem se cada pré-universitário desse país estudasse com afinco sobre a reforma política, sobre a questão da água ou das energias renováveis, sobre formas de aliar a inflação ao crescimento econômico sustentável. Imaginem a quantidade de possíveis alternativas que poderiam sair das cabeças desses jovens para assuntos de tamanha importância.

Mas não. O MEC - não sei se por esquecimento ou se por orgulho mesmo - restou silente quanto a tais assuntos. Enfim... vamos nos ater aos aspectos jurídicos da prova. 

No âmbito do Direito do Consumidor, existem fases que antecedem ao início do contrato de consumo, as etapas pré-contratuais, dentre as quais podemos destacar a publicidade e a propaganda. A diferença jurídica reside no fato de que a publicidade possui um apelo fortemente comercial, com o intuito de induzir o consumidor a comprar o produto anunciado, enquanto que a propaganda investe na conotação ideológica, no sentido de transmitir teorias, ideias ou formas de pensar. Um anúncio da promoção do McDonald's é publicidade. Noutro giro, um anúncio que desestimula o uso de bebidas alcoólicas antes de dirigir é uma propaganda, assim como as propagandas eleitorais ou partidárias.

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) - importante instrumento de defesa do consumidor, parte vulnerável na relação consumerista - proíbe expressamente, em seu artigo 37, a prática de publicidade enganosa ou abusiva, definidas, respectivamente, nos §§ 1º e 2º do referido artigo. Considera-se enganosa a publicidade capaz de induzir, ainda que por omissão, o consumidor em erro a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços (art. 37, §1º, CDC). Já a publicidade abusiva é caracterizada por conter, por exemplo, ideias discriminatórias de qualquer natureza, ideias que incitem o consumidor a se comportar de maneira perigosa ou prejudicial a sua saúde ou segurança e/ou que se aproveitem da deficiência de julgamento e experiência da criança (art. 37, §2º, CDC). Para clarear: uma publicidade que distorce o tamanho real de uma piscina inflável é enganosa; por outro lado, um anúncio de cerveja que diz É pelo corpo que se conhece a verdadeira negra é publicidade abusiva, por destacar um sentido de discriminação racial.

Outro destaque, do ponto de vista jurídico, foi a menção ao CONANDA e ao CONAR. O Conselho Nacional de Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) está previsto no art. 88, inciso II, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Trata-se de órgão responsável pela política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente em âmbito nacional, podendo, para tanto, editar resoluções, dentre as quais destaca-se a Resolução nº 163, de 13 de março de 2014 - citada na proposta de redação - que considera abusiva toda propaganda dirigida às crianças que faça uso de desenhos infantis, bonecos e oferta de prêmios, na tentativa de persuadi-las. O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) visa evitar a veiculação de anúncios e campanhas de conteúdo enganoso, ofensivo, abusivo ou que desrespeitem a leal concorrência entre anunciantes, atribuindo multa aos descumpridores do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária.

Agora, qual a relação disso com o Direito Constitucional? Em primeiro lugar, a defesa do consumidor foi elevada à categoria de direito fundamental (art. 5º, XXXII, CF/88), bem como a princípio da ordem econômica (art. 170, V, CF/88). Ademais, o tema do ENEM envolveu a proteção à criança e ao adolescente, disciplinada pela Constituição de 1988 em seu artigo 227, que sedimentou a doutrina da proteção integral da criança e do adolescente em nosso ordenamento jurídico, dando especial atenção à condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que possuem. 

Para fechar, existem discussões acerca da constitucionalidade da Resolução nº 163/2014 do CONANDA. Isso porque, por se tratar de norma que restringe o direito à liberdade de expressão, tal matéria deveria ser regulamentada em lei elaborada pelo Congresso Nacional (pela interpretação conjunta dos artigos 5º, II; 22, XXIX e 220, §3º, inciso II, todos da Constituição Cidadã). Ciente disso, o Congresso Nacional, no uso de suas atribuições previstas no art. 49, V, CF/88, pretende sustar a referida resolução, por meio de decreto legislativo - já que se trata de competência do art. 49; caso prevista no art. 48, a espécie normativa adequada seria lei -  por entender que ela exorbita o poder regulamentar, Eis aqui o clássico - porém controvertido - exemplo fornecido pela doutrina de controle de constitucionalidade posterior exercido pelo Poder Legislativo.